A Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/2021) não apenas atualizou regras procedimentais e operacionais da contratação pública — ela também redefiniu a lógica de responsabilização do agente público. Com foco em planejamento, governança e decisão técnica fundamentada, a legislação impõe novos deveres e reforça o cuidado necessário com o chamado erro grosseiro, termo que ganhou relevância tanto na Lei como na jurisprudência recente dos tribunais de contas e do Supremo Tribunal Federal.
O art. 11 da Lei 14.133 estabelece que os agentes públicos devem atuar com base nos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência e, agora, também com governança, segregação de funções e planejamento institucional. Essa atuação não é apenas orientativa, mas vinculada à responsabilização funcional quando caracterizado o dolo, a fraude ou o erro grosseiro.
Mas afinal, o que é considerado erro grosseiro na prática? E como isso afeta a rotina de gestores, membros de comissões, pregoeiros e assessores jurídicos?
⚖️ O que caracteriza o erro grosseiro?
Erro grosseiro é aquele que ultrapassa a margem do erro justificável ou aceitável dentro da complexidade do serviço público. É o equívoco evidente, resultante de descuido, negligência ou desconhecimento básico sobre normativos e deveres funcionais. Não é qualquer desacerto, mas aquele que poderia e deveria ter sido evitado por um agente diligente, atento e preparado.
O STF, no julgamento da ADI 5527, já havia delimitado que o erro grosseiro afasta a proteção da boa-fé administrativa. Ou seja, mesmo sem má-fé, o agente pode ser responsabilizado se a conduta violar parâmetros mínimos de razoabilidade e cautela exigidos pela função pública.
A nova lei reforça essa diretriz ao determinar, por exemplo, que a autoridade superior poderá responder pessoalmente pelo dano decorrente de ato praticado com dolo ou erro grosseiro (art. 11, §1º). Isso implica que a cadeia de responsabilização atinge tanto o executor direto quanto o superior hierárquico que atua sem os devidos controles.
🔎 Erro grosseiro na fase de planejamento
A fase preparatória da licitação, que antes recebia pouca atenção prática, agora ganha destaque como ponto de partida para prevenção de falhas e riscos jurídicos. E é nesse momento que o erro grosseiro pode ser mais sutil — mas também mais perigoso.
Por exemplo, a elaboração de um Estudo Técnico Preliminar (ETP) ou Termo de Referência (TR) sem critérios objetivos, sem estimativas realistas ou com cópias genéricas pode ser considerada prática negligente, especialmente se causar prejuízo à Administração. O mesmo vale para pesquisas de preços mal fundamentadas, que distorcem a avaliação da vantajosidade da proposta.
Nesses casos, a responsabilização pode atingir não apenas quem elaborou o documento, mas também quem aprovou sem análise crítica — como pregoeiros, comissões de contratação e assessorias jurídicas.
🧩 O papel da assessoria jurídica e da comissão de contratação
Outro ponto sensível é a atuação dos assessores jurídicos e dos membros das comissões de contratação, que muitas vezes atuam como revisores ou aprovadores técnicos dos procedimentos.
A jurisprudência atual e os normativos da nova lei deixam claro: parecer jurídico não é salvo-conduto. Ele deve ser técnico, fundamentado, claro e compatível com os documentos analisados. A simples reprodução de trechos da legislação, sem análise crítica ou orientação jurídica específica, pode ser considerada omissão.
Da mesma forma, julgamentos de propostas ou habilitação técnica sem critérios claros, com motivação vaga ou sem consistência documental, podem configurar falhas graves com risco de responsabilização.
🧠 LINDB e responsabilidade técnica
A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) também ganha protagonismo ao lado da nova Lei de Licitações. Ela determina, por exemplo, que a análise da legalidade deve considerar as circunstâncias reais da decisão administrativa (art. 22), e que a responsabilização só pode ocorrer se ficar demonstrado o dolo ou o erro grosseiro (art. 28).
Com isso, a LINDB não é apenas um escudo para o agente público — ela é também um parâmetro técnico que exige do gestor a construção de decisões fundamentadas, registradas e justificáveis. Decisões técnicas, dentro dos limites legais, mesmo que posteriormente reavaliadas, não caracterizam erro grosseiro automaticamente.
🔐 Como prevenir responsabilizações?
A prevenção passa por três pilares fundamentais: capacitação, fundamentação e documentação.
- Capacitação contínua dos agentes que atuam em qualquer fase da contratação, com conhecimento profundo da Lei 14.133, da LINDB e dos normativos complementares.
- Decisões bem fundamentadas, com base em critérios objetivos, normativos e técnicos, evitando improvisações ou cópias de modelos sem adequação ao caso concreto.
- Documentação robusta, com registros de justificativas, pareceres, atas e estudos que demonstrem a diligência do agente público e o cuidado com o interesse público.
🧭 Responsabilização não é perseguição — é instrumento de correção
É importante lembrar que a responsabilização não deve ser encarada como punição automática. Trata-se de uma ferramenta institucional de controle, que visa garantir que os recursos públicos sejam aplicados com eficiência, legalidade e ética.
A responsabilização justa, baseada em critérios técnicos e jurídicos, contribui para a construção de uma cultura de governança, em que os servidores atuam com mais consciência e confiança — sabendo que serão protegidos quando agirem corretamente e responsabilizados apenas quando ultrapassarem os limites aceitáveis da função.
🚨 Quando a responsabilidade é solidária?
A Nova Lei também trata da responsabilidade solidária entre agentes públicos. Quando dois ou mais servidores participam de uma decisão — como, por exemplo, a comissão de contratação julgando uma proposta — todos podem ser responsabilizados, desde que comprovada a atuação conjunta ou a omissão relevante de algum membro.
Isso reforça a importância do trabalho em equipe com divisão clara de tarefas, participação ativa de todos os envolvidos e registro de votos ou manifestações individuais em casos de divergência técnica.
🔄 Responsabilidade e reabilitação
Por fim, a Lei 14.133 prevê mecanismos como a reabilitação do agente público e a possibilidade de revisão da sanção. Isso demonstra um equilíbrio entre o rigor da norma e o respeito ao devido processo legal e à boa-fé.
Esse equilíbrio é essencial para que a responsabilização seja exercida com justiça, evitando a paralisia administrativa por medo de punição, e promovendo uma cultura organizacional baseada na técnica e na transparência.
✅ Conclusão
A responsabilização do agente público ganhou um novo contorno com a Lei 14.133/2021. O erro grosseiro, antes um conceito abstrato, agora está no centro da análise de legalidade e eficiência das contratações públicas.
Agir com técnica, registrar as decisões e buscar constante atualização deixou de ser uma boa prática — passou a ser uma exigência legal e uma estratégia de proteção institucional. Profissionais que dominam essas regras atuam com mais segurança, reduzem riscos e contribuem diretamente para uma gestão pública eficiente e íntegra.
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